primeira pessoa

Antonia
2 min readAug 31, 2023

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sou uma pessoa chata com o que leio. gosto mais de textos escritos por mulheres, com exceções. sobretudo poesia. gosto mais de romances bestas, com exceções. do tipo que a gente lê e parece que o mundo fora não existe por algumas horas, porque a vida daquelas pessoas ali importa mais. gosto de ler sobre espaços que não conheço. terras longe, terras que eu não vivo diariamente. com exceções. adoro cronistas da década de 70 do rio. para gostar de ler era das coisas que me deixavam feliz quando jovem. gosto imenso de filmes antigos e de filmes não americanos. brasileiros, franceses, italianos, japoneses (russos, raramente). e gosto do que os franceses chamam de polar. um bom romance policial. quando nada está parando na minha cabeça. um agatha christie. um maigret. polar velho, ainda por cima. e gosto de comédias românticas das mais idiotas. meg ryan. debbie reynolds. adoro. gosto de pensar que nunca serei uma coisa só dentro dos meus gostos. e que gostar de polar não fez de mim detetive, como gostar de meg ryan não me deixou esperando harry aparecer numa carona imaginária. mas assisto harry e sally religiosamente uma vez por ano. e quatro casamentos e um funeral. mas nunca deixarei de ver asas do desejo. sou uma romântica inveterada do romance alheio. não que eu não goste de gostar de alguém. gosto. mas gosto mais dos meus discos e livros. e amigos. ando cada vez mais gostando dos meus amigos. daqueles que cresceram comigo e daqueles que eu conheci já nessa idade mais provecta. gosto de ser solteira porque gosto de não atender ao que esperam de mim. me agrada o diferente. o inusitado. e mesmo ser isso. não sei porque tanto escrevo. no meio a outras mudanças de outros pedaços de vida. que são tantos, voltando pros mesmos lugares, penso no que nunca tive coragem de fazer. eu, que acham que sou tão corajosa. escrevo um texto inteiro em primeira pessoa. e sigo sem saber quem sou. e sigo escrevendo aqui, não sei exatamente o motivo. sei que escrever me solta a cabeça e me abre espaço para pensar novamente. no que estou fazendo e talvez no que queira fazer. a rede da aranha que tem me arrastado. a ananci que me puxa pro mesmo lugar que louise bourgeois já me puxou. pra um lugar de fazer as pazes. de chorar imenso ao perceber que o cuidar não me é proibido, nem facultado. que a aranha tece a própria teia porque conta a própria história. e protege os seus. mantendo o seu lugar. a aranha mora sozinha. engole o macho para dar pras crias. a aranha cria. tece. faz. e não interessa o que ela engole. o que sai é caminho. da mesma forma, cada história que entra em mim precisa sair como caminho. ou eu ficarei na teia. parada. esperando. e virarei presa de mim mesma.

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