lagostas

Antonia
2 min readMar 6, 2022

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eu tenho sonhado com estar nua. ou sem máscara. devem ser a mesma coisa hoje em dia.

eu ia te mandar um mail, mas achei melhor escrever aqui. sempre melhor. junto com cartas que encontrei. nunca enviadas. algumas escritas em cadernos. eu tenho duas caixas de arquivo cheias de cadernos. desde a faculdade. cadernos pequenos, em geral, a5 ou a6. pilhas. ali temos glossários, desenhos, história da arte, teoria do direito, formação da onu, francês, linguística, barroco, áfrica, nigéria, desejos. cartas.

num dos sonhos eu estava nua e um de vocês — você pra mim é sempre do sexo masculino, nunca sujeito definido, bom informar aos incautos — me beijava. em vez de sentir desejo, senti alívio por não estar mais aparecendo meu nu frontal aos outros. eu talvez tenha perdido o desejo. talvez ele tenha ficado nas cartas.

isso, então, é uma carta-desejo. de voltar a sonhar. eu que nunca criei futuros, estou cansada de viver nos passados e não entendo como fazem isso. um desejo de um você. de um outro espaço de vida. um medo.

eu sempre fui medrosa, sempre me assumi assim. odeio mudanças. odeio surpresas. odeio primeiras vezes. odeio não saber o que vai acontecer. gosto de rotina. da minha rotina. gosto de acordar e decidir, eu, o que vou fazer. tenho medo de gente. acho precisar dividir a vida muito, imensamente difícil. certamente não te amo o tempo todo. certamente eu aguento você por acreditar que eu estou errada. que eu preciso aprender a lidar. que eu posso mudar. viver outras coisas.

eu quero saber sonhar. com futuros fascinantes ao redor do mundo. e eu penso o que eu faço com esse agora que eu criei. do qual eu não gosto. mas eu penso o que faço. eu quero poder sonhar com um você. com dividir uma vida e uma cama. com saber o que fazer. com viver um mês em cada lugar. com tanta coisa.

hoje eu queria sonhar com o beijo ser algo além de um esconderijo e uma fuga. com a relação poder ser sem medo, poder ser entrega. queria aprender como é. me entregar a alguém e não a algum livro. artista. pesquisa. queria aprender.

e daí. esse texto que era pra reclamar que nunca mais li um texto erótico decente. que as pessoas têm medo. de falar dos seus fetiches e desejos mais íntimos, falar de si. acabei por mostrar o meu fetiche. que é por chegar em casa. contar o dia. cozinhar junto a alguém. ler na cama. a mão na sua coxa.sobe devagar. vc prende as minhas na cabeceira…

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