ando sonhando demais. com espaços fechados, com mundos interrompidos. diria bandeira, a vida inteira que poderia ter sido e que não foi. eu tenho insônia crônica. quando começo a ter pesadelos, ela aparece. como criança, me recuso a ter, de novo, o pesadelo. não dormindo. anos de elaboração pra perceber que posso dormir. posso. nem sempre consigo. a nigéria me ajudou a dormir, digo com frequência. uma sensação de impotência assumida me tranquilizava.
a pandemia me tirou o sono de novo. rolo na cama e tento não pensar nos sonhos. sonhos com ambientes lotados de pessoas sem máscaras, com cemitérios, com aviões que caem, com caminhos cortados. eu não aguento mais sonhar. eu ando com saudades. de andar de pés descalços na areia. de não saber que horas eu volto pra casa. de conhecer gente no bar. de…
respiro. eu queria poder abraçar e beijar sem medo. olho pra essas pessoas nas festas e fico tentando entender. como elas não têm medo. eu, que fui sozinha pra nigéria. que viajei sozinha pela europa, por joanesburgo, pela argentina, pelo marajó. eu fui sozinha pro mundo todo e eu não tive medo. zero. era um risco calculado. eram espaços que eu podia conhecer. mas eu levei repelente. eu sabia onde havia médicos. eu sabia onde estava. as pessoas não têm medo de morrer. como eu, aos 17, indo a pé do arpoador pra botafogo de noite. voltando da lapa. eu tinha 17. o rio era esquisito nos anos 90. e eu tinha muito pouco a dizer sobre precisar estar viva amanhã.
eu quero estar viva amanhã. e eu não sei pra que. eu tento fazer coisas. reuniões, leituras, projetos. eu tenho mais coisas que dias da semana. eu quero estar viva amanhã. quero ir ao cinema, ao teatro, ao museu. eu quero ler muita coisa. eu quero abraçar.
eu queria sonhos eróticos. de vida. em que bocas se encontram, corpos se agarram com força, bundas aparecem de lado, paus se mostram, bucetas molham esperando. a ansiedade do sexo é também um escape. eu gosto do sono que o sexo dá. sinto falta. de lamber e trepar, e chupar até gozar. de sentir você dentro de mim, de ver o efeito que tirar a roupa causa em outro. de sentir, ainda de roupa, como nos aproximarmos muda o seu corpo. de me sentir pulsante e esperando. de montar no seu pau, dedos em sua boca. cavalgando até cair exausta. dormindo sobre seu peito. dormindo sem sonhos. sem amanhã. sem pensar.
